sábado, 11 de outubro de 2008

ÀS VEZES UM GRITO..... ÀS VEZES UM SUSSURRO


Era fácil ignorar David. Ele se assegurava disso.
Quando você é mais baixo, mais magro, mais quieto – simplesmente menor – do que qualquer outra pessoa com a sua idade, “ficar na sua” não é apenas uma frase. É um fato da vida! E também era, até onde David sabia, uma idéia muito boa.
A verdade é essa: David era tímido. Realmente tímido. Muito, muito tímido. Comparado a David, um camundongo era tão ousado como um leão. Comparado a David, um canário era tão vistoso como um pavão. Comparado a David...
Não que alguém já tenha comparado qualquer coisa a David. Antes de comparar, você primeiro precisa perceber. E na época em que David chegou à oitava série sua rotina de homem invisível era quase perfeita. O que lhe era completamente adequado. Mais ou menos. Na maioria do tempo.
É claro que nem todo mundo o ignorava. Emma Johnson sempre tinha um sorriso doce e um amigável “Oi, David!” para ele. David simplesmente corava. E Zack Porter foi realmente gentil quando esbarrou em David no saguão cheio de gente pouco antes do sinal tocar.

– Desculpe cara. Não te vi. Você está bem? – ele salvou os óculos de David dos pés que quase o esmagaram e ato o ajudou a pegar os dez (dez!!!) livros caídos no chão. – Uau, você deve mesmo gostar de ler.
– Hmmm... sim... eu gosto – balbuciou David. O que era para ele uma grande declaração.

David não apenas gostava de ler... ele adorava ler. Na verdade, David não apenas lia... ele devorava os livros. Pulava dentro das histórias. Se envolvia em cada uma delas. Você poderia dizer que David vivia sua vida em livros. Nos livros, ele não era o tímido, o quieto e pequeno David – que jamais tinha a menor idéia sobre o que dizer ou fazer perto de seus colegas maiores, mais rápidos e barulhentos. Nos livros, David atravessava galáxias, enfrentava dragões, escalava montanhas, resolvia as situações e sempre – sempre – dizia precisamente as coisas certas. Nos livros, David era um herói!
É claro, não havia o menor sinal de nada daquilo em seu exterior. Num primeiro olhar, você poderia achar que sabia tudo o que havia para se saber sobre David. E o próprio David seria a última pessoa a pensar que poderia ser um herói na “vida real”. Mas aquilo estava prestes a mudar...
David não tinha idéia de que o Sr. Hamilton (e certamente também Deus!) tinha algo especial em mente para ele no momento em que estava deixando a aula de inglês naquela quinta-feira.

– Espere um minuto, David – chamou o Sr. Hamilton. – Preciso de ajuda num projeto que é bem a sua praia.
Minha praia!? – David não sabia nem ao menos que tinha uma praia.
– É – veio a resposta carinhosa. (O Sr. Hamilton era uma das poucas pessoas que não apenas percebiam David, mas que realmente enxergavam o quanto ele tinha a oferecer.) – Você tem uma imaginação maravilhosa, David, e um talento real para palavras. Eu não conheço ninguém que aprecie o poder dos livros mais do que você. Que tal compartilhar um pouco desses dons?
– Compartilhar? O quê... com quem...?! – David não tinha idéia sobre o que o Sr. Hamilton estava falando.
– Eis o que estamos planejando David. Estamos tentando dar início a um programa de monitoria de leitura para alguns garotos mais novos que precisam de uma ajuda. Garotos sem muita esperança em suas vidas. Você sabia que existem estudantes da terceira e quarta séries que mal podem ler?! Cada palavra, a cada dia na escola, é uma luta. E todos os dias eles ficam um pouco mais para trás. Pense só no que isso deve significar.

Boa como era sua imaginação, David mal podia imaginar tal situação. Ir à aula todos os dias e abrir um livro que não fazia sentido? Lutar com cada palavra? Não ter idéia do que estava na página 38 – isso sem falar em escrever um trabalho sobre o livro!
“Ora, desse jeito você nunca iria adiante. Muito menos entenderia a matéria. Então você provavelmente iria... desistir!”, ocorreu-lhe por um instante. David tinha de admitir: seria terrível. Mas ele não conseguia enxergar o que aquilo tinha a ver com ele. Mas o Sr. Hamilton conseguia.

– É isso que nós pensamos... Convidar garotos maiores que pudessem ajudar os menores a desenvolver sua leitura. – Maiores? Os lábios de David se apertaram. – Jovens com quem eles pudessem contar – David quase sorriu. – Alguém para encorajá-los, alguém para compreender a magia das palavras. Alguém como... você.

++++
Dois meses depois, David ainda não estava muito certo sobre como ele acabou – a cada quarta-feira, depois das aulas – naquela sala, sentado junto a Jason, com um livro. Ele tinha certeza de que não havia dito exatamente um “sim” ao Sr. Hamilton. Por outro lado, um “não” sussurrado é bem fácil de ser ignorado.
Na verdade, não era tão ruim assim – embora as primeiras vezes tivessem sido bastante complicadas. E o seu “garoto menor” não era tão menor assim. O garoto Jason, de 9 anos de idade, era pelo menos dois centímetros mais alto que David. E, cara, que boca tinha ele. Jason tinha uma opinião sobre tudo! E ele não estava tão empolgado assim de estar ali.
– Que benefícios a leitura pode me trazer, de qualquer modo? Mas David tinha uma resposta para essa pergunta.
– Depende de até onde você quer chegar.
– O que isso significa, “até onde eu quero chegar”? – Jason revidou.
– Bem – disse David – você já foi a Marte?
– Marte?! – se espantou Jason. – Cara, eu nunca saí do meu bairro!
– Um livro pode levar você até lá – assegurou David. – Ou ao topo do monte Everest. Ou ao fundo do oceano...
– É...? – Jason parecia um pouco interessado.
– Num segundo – disse David, sorrindo. – É claro que, primeiro, você precisa ser capaz de ler a história.
Jason refletiu sobre aquilo durante um instante. Depois perguntou:
– E quanto ao hóquei?
– Hóquei? – David não era exatamente um grande fã dos esportes.
– Sim! Existe um livro sobre hóquei? Algo que fale sobre Wayne Gretzky? Cara, ele é demais!
– Ahn... – disse David – tenho certeza de que existe. Tem que existir. Semana que vem começamos – prometeu.

E com certeza havia um livro sobre hóquei que citava aquele jogador. E era um grande sucesso, o que definitivamente parecia atrair Jason para a diversão de ler. E assim foi. A cada vez que Jason ficava desencorajado – o que não era raro – David encontrava um modo novo (e as palavras corretas) para fazê-lo prosseguir. Não que fosse fácil. Mas David sabia que tinha algo de que Jason precisava, e se fosse preciso falar para isso... ele falaria!

O melhor de tudo foi o dia em que David perguntou:
– Se você pudesse ser qualquer coisa no mundo, o que você seria?
Jason tremeu. E então sorriu.
– Você quer dizer algo como um astronauta ou um... um médico?! Cara, você deve estar doido! Eu nunca poderia ser algo assim.
– Por que não? – perguntou David, perfeitamente sério. – Quem, além de você mesmo, diz que você não pode?
Jason ainda estava rindo.
– Onde eu conseguiria o dinheiro para algo desse tipo? Você precisa ser realmente inteligente... – ele balançou a cabeça. – Existem todos os tipos de obs-tá-cu-los (uma nova palavra que ele acabara de aprender).
– Bem – disse David – o que Wayne Gretzky faz quando alguém atravessa o seu caminho?
Jason ficou olhando para David por um longo tempo. Então, por um momento, ele parecia olhar através de David, com uma expressão muito estranha em seu rosto. Como se alguém tivesse aberto uma porta que ele não sabia que estava lá – e tivesse visto algo maravilhoso.
Então Jason começou a sorrir – e agarrou o livro contra o qual estivera lutando.
– Bem... o que estamos esperando? Temos muito trabalho a fazer...

++++

David entrou na sala e sentou-se em seu lugar, sorrindo para si mesmo, sem escutar realmente a barulhenta discussão que acontecia ao seu redor. Ele ainda conseguia ver o orgulho nos olhos de Jason no dia anterior, quando o garoto mostrou ao seu mentor um teste que havia feito. E com uma nota excelente, um grande 8! (Jason nunca havia tirado uma nota tão boa). Fantástico! O olhar em seu rosto fez David se sentir dez metros mais alto. Bem... quase.
Então Emma levantou-se e David começou a prestar atenção.

– Vamos pessoal – disse ela – Nós podemos fazer melhor do que isso. Será que ninguém tem realmente nenhuma idéia incrível para o nosso projeto?
David não tinha absolutamente nenhuma idéia de como ficou de pé.
– Ahn... – disse.
Tudo parou. Todas as cabeças se voltaram. David? David tinha algo a dizer?!


David quase voltou a se sentar. “Não! Não desta vez. Isso é muito importante. Precisamos de mais voluntários!”, pensou.

– Ahn... – David limpou a garganta. – Tenho uma idéia! – sua voz tremeu apenas um pouco. – Uma idéia... – ele limpou a garganta de novo. – Deixem-me contar a vocês sobre Jason...

Dava para escutar um alfinete cair no chão enquanto David – o tímido e quieto David – contava a sua história.
Então todo mundo começou a falar ao mesmo tempo. Eles adoraram a idéia! E estavam sorrindo... para ele.

– É uma idéia maravilhosa, David! – Disse Emma, enquanto cada garoto na sala pensava em “Jasons” para eles.
– Uau! – exclamou um muito impressionado Zack – quem teria imaginado?!



Deus fala a cada um de nós na língua que precisamos ouvir.
Para David, foram os livros em que ele se escondia que Deus usou para lançá-lo ao mundo real; e para mostrar a ele que tinha algo especial a fazer ali também.
Para Jason, foi a leitura contra a qual ele vinha lutando que Deus usou para lhe dar a chave de um futuro que ele jamais tinha imaginado.
E os garotos na sala de David? Bem,
pode ser que Deus estava usando David para recordar-lhes de que coisas, e pessoas, podem não ser tão comuns como parecem – num primeiro olhar.
Ou, como Zack (que adorava clichês) colocou:
– Você certamente não pode julgar um livro por sua capa! Deus fala a cada um de nós exatamente do modo que melhor nos alcançará. Ele tem um plano especial para todos nós – para nossos
dons – e fala sobre isso de diversas maneiras.
Às vezes Ele grita..... às vezes Ele sussurra.

Conto baseado no livro de Max Lucado - "Ele Escolheu Você"

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